segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A distância mais próxima das memórias

"Venha quando quiser, ligue, chame, escreva - tem espaço na casa e no coração, só não se perca de mim"
Caio F.

Olhou. Olhou. Olharam-se. Olharam-se profundamente. Mas não, não se puderam tocar, nem se beijar, nem se entregar. Os dois sabiam que não era só um ímã para atrair seus corpos. Era mais que isso: estava na alma, estava nos sentimentos guardados por ambos. Guardados dentro de um lugar onde apenas um poderia encontrar no outro - e vice-versa. E ficaram ali olhando-se, olhando-se, enquanto em suas mentes vinham filmes revelando os velhos abraços, os velhos carinhos, as velhas (e boas) conversas sobre tudo, sobre nada; os velhos beijos, as velhas ( e inesquecíveis) transas. Ao fundo, Joplin, Jim...
- Lembra-se de quando ficávamos assim horas e horas nos olhando, deitados na cama? - ela dizia com uma voz de choro preso na garganta - Aí, você me pedia, me fazia prometer ficar pra sempre com você.Você lembra? E ele somente inclinava a cabeça para baixo. Ele não conseguia falar, ACIMA DE TUDO, ele não podia, ele não podia falar.
E continuava, mesmo com a dor na garganta:
- Pois bem, estou aqui, como prometi, como eu sempre quis. E você fica aí olhando, não podendo dizer nem ao menos algo. Você sabe que irei embora daqui uns dias, não por vontade, você sabe o porquê - e ele só podia ficar calado...
De repente, um outro alguém, sem bater a porta, entra e salva aquele silêncio desesperado. Ao longe ele a olha. E ela lá, em face ao mesmo tempo funesta, ao mesmo tempo vazia. Ele a olha novamente e vê a gesticulações das palavras cheias de esperanças, saindo daqueles pequenos e delicados lábios: "Nã se perca de mim, por favor, não se perca!".
Saem de cena.

Jul/09

Moscas en la casa

A vida mais doce é não pensar em nada. (Nietzsche)
Os olhos abertos procurando o nada. Nem mesmo o Nada a fascinava mais. Sua mão deslizava ao lado direito da cama sobre o lençol que meses atrás era branco. Nada. Vazio. Se fazia Sol ou chuva ou os dois, ela já esquecera como eram senti-los. Só sabia agora qual era o sentido do escuro.
Levantava, ia ao banheiro. Sentava na privada e olhava o nada. Saía. Ia à cozinha. Comida podre de meses atrás. Ia à sala. A televisão não ligava. Cartas embaixo da porta. Faz semanas, garota, que cortaram a energia elétrica!
Eu sabia que não havia motivos pra levantar, porque tudo era o vazio, era o Nada. Eu pensava o Nada, alimentava o Nada, só se ouviam as moscas na casa fazendo a sinfonia cintilante delas. Pensei em parar o respiro. As moscas pousaram em mim. Ofegante.
Não se soube se o eu era ela ou se ela era eu. Tanto faz agora. Havia dor no coração. Talvez fosse uma daquelas doenças cardiovasculares - pelo menos era isso que tentavam colocar na cabeça. Talvez as moscas um dia irão embora. Enquanto isso esperar, esperar, esperar.

Jun/09